30 June 2008

Mídia e Sustentabilidade : por que não avançamos?

Adriana Nascimento e André Alves* - O assunto sobre os efeitos das mudanças climáticas para o ser humano saiu do mundo científico e ganhou a opinião pública através dos relatórios do IPCC (sigla em inglês para o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), de documentários como o do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, com o seu “Uma Verdade Inconveniente”, que ganhou dois Oscars, e do ator e produtor Leonardo Di Caprio, “A Última Hora”. A sociedade civil organizada também produziu documentários (Greenpeace) e publicações (Fórum Brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais – FBOMS). Governos se preocuparam, em especial o Brasil, que acelerou seu programa de Biodiesel, e as empresas viram oportunidades únicas de negócios. Mas, a mídia, diante deste cenário, não poderia se calar. Porém...

Tanto a mídia de grande circulação, como as regionais, locais e as alternativas fizeram reportagens, publicaram artigos, capas de revistas como Istoé, Época e Veja detalharam o tema, ora retratando o alarmismo (que não é infundado), ora ouvindo especialistas que questionavam os efeitos nocivos das mudanças climáticas, em especial o aquecimento global, evento natural, mas acelerado como nunca nos últimos 100 anos, graças a emissão dos Gases do Efeito Estufa (GEE), dentre os quais o mais falado são o dióxido de carbono (C02) e o monóxido de carbono; porém o metano, etano e o óxido nitroso não devem ser desprezados, já que são mais agressivos no aceleramento do efeito estufa.

Apesar do bombardeio da mídia, parece que ela se esqueceu do fundamental. Duas ações são imprescindíveis para o planeta. A primeira é promover tecnologias e políticas públicas que promovam a mitigação da emissão dos GEE na atmosfera. A segunda, muito pouco divulgada, é que já vivemos na era da adaptação das mudanças climáticas. Ou seja, não basta saber dos efeitos (ou mesmo discutir quais serão estes efeitos) é preciso enfrentá-los. E isso a mídia, seriamente, não encarou o seu desafio e pressuposto democrático para ajudar a promover uma reação da sociedade.
O mais grave de tudo isso é que sabemos o motivo de tudo isso e que as tecnologias para enfrentarmos esta situação já existem ou estão em fase de aperfeiçoamento. O motivo é o modelo de desenvolvimento voltado para o consumismo impulsivo e supérfluo, em que os governos são incompetentes ou omissos, as empresas ignoram e a sociedade, apesar de esforços sente-se incapaz de enfrentar sozinha, o problema.
No campo político e econômico, sabemos que o modelo de desenvolvimento quase sempre (ou em maior ou menor grau) promove o boom-colapso em que as atividades econômicas estimulam o crescimento de algumas atividades econômicas, fazem cidades inteiras crescerem e em curto, médio ou longo prazo, ao exaurirem os recursos naturais dessas regiões, a atividade tende a migrar, reduzir ou até mesmo desaparecer. Deixando para trás prejuízos sociais, econômicos e ambientais incalculáveis. Quem conhece ou acompanha a Amazônia Legal sabe bem como isso funciona na atividade madeireira, na criação de gado, na produção de soja, na extração de minério. Nas cidades litorâneas, a atividade turística e a exploração dos mangues são outros exemplos. Na história, deveríamos ter aprendido com os ciclos do pau-brasil, do café, da cana-de-açúcar e do ouro. Ou seja, é importante que os municípios promovam melhor suas atividades econômicas, visando ordená-las de modo a garantir (ou tentar) garantir mais longevidade de suas atividades.

No campo político e tecnológico, é importante promover a inclusão de técnicas ambientalmente mais responsáveis: energia solar e eólica, a promoção de um verdadeiro programa de biocombustíveis, que atendam diversos setores da sociedade, e não o programa de “agrocombustíveis”, que beneficia grandes empresas, como a Petrobras, e os tão famosos latifundiários. É importantíssimo investir em transporte coletivo (ônibus, metrôs, trens) de qualidade e acessíveis para tentar controlar o impacto dos veículos automotivos no meio ambiente. Em Brasília, em qualquer ponto da cidade, é possível contar, em sequência, dezenas e mais dezenas de veículos ocupados apenas pelo motorista.

É preciso investir no consumo consciente, reduzindo o consumo desnecessário e a geração burra de lixo. Mc Donalds, Giraffas, Bob´s entre outras franquias insultam a inteligência e o bom senso ao proverem uma embalagem de papelão para o sanduíche (que uma vez engordurado perde seu valor para reciclagem), na embalagem plástica para o guardanapo, para a embalagem de papel para o canudo, para a tampa do copo de refrigerante e para o papel que recobre a bandeja, numa tentativa insana e ingênua de mostrarem assepsia dos seus produtos.

É preciso investir na coleta seletiva e na reciclagem de forma séria. O mercado da reciclagem no Brasil movimenta 9 bilhões de reais todos os anos e é fonte de renda para mais de 800 mil pessoas, que ganham, em média quatrocentos e cinqüenta reais por mês. No entanto, apenas 5% destes catadores estão organizados em cooperativas e apenas 327 cidades brasileiras fazem algum tipo de coleta seletiva, sendo que a grande maioria não ultrapassa 40% do município.

É preciso promover a economia em escala regional ou local, evitando o transporte de produtos de uma região para outra que poderiam ser produzidas facilmente em quase qualquer região. O exemplo mais clássico em Mato Grosso, seja em Cuiabá, seja em Lucas do Rio Verde, no médio norte ou em Porto Alegre do Norte, na região do Araguaia, vem do consumo das frutas e verduras que em sua grande maioria são provenientes dos estados de São Paulo, Paraná ou Goiás, atravessando mil ou dois mil de quilômetros em estradas péssimas, sendo que poderiam ser produzidas pelas milhares de famílias assentadas no Estado. Em Mato Grosso também, a própria população ignora os produtos nativos da sua região. Apesar disso, já é expressiva a reivindicação de produtores familiares e assentados para a produção e comercialização desses produtos. A Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, por meio de seu Programa de Aquisição de Alimentos – PAA estimula, ainda que timidamente, essa comercialização, garantindo que (ainda uma pequena parte) dos produtos da agricultura familiar seja consumida em escolas e creches da mesma região, garantindo, além de tudo, o fortalecimento da economia.

Enfim, apesar de todos os problemas, visitando alguns meios de comunicação especializados em meio ambiente ou em pequenas notas nos grandes jornais, é possível ver tecnologias simples como o uso de óleo de cozinha usado para motores de veículos, o uso de embalagens longa vida para produção de telhas, garrafas PETs se transformando em camisetas, vassouras e inúmeros outros produtos, várias experiências de reuso da água. Mais espaçadamente também é possível ver tecnologias de ponta sendo geradas, como o asfalto ecológico, os Green buildings, a Apple que patenteou baterias para os seus Iphone e Ipod recarregáveis com energia solar e o isopor, que muito em breve poderá ser reciclado.

Enfim, as empresas querendo e o governo estimulando, mas de forma séria, é possível acenar para um futuro menos catastrófico para todos nós. Mas... ainda temos tempo para esperar?

Adriana Nascimento é jornalista em Cuiabá, repórter do jornal A Gazeta, trabalhou na Agência de Notícias Ambientais Estação Vida, é membro-fundadora do Núcleo de Ecomunicadores dos Matos – NEM e membro da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais – RBJA.
André Alves é jornalista em Cuiabá, membro-fundador do Núcleo de Ecomunicadores dos Matos – NEM e membro da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais – RBJA. Atualmente exerce o cargo de Secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad

06 June 2008

Reciclagem: parte do problema ou da solução?

O mercado da reciclagem no Brasil movimenta 9 bilhões de reais todos os anos e é fonte de renda para mais de 800 mil pessoas, que ganham, em média, quatrocentos e cinqüenta reais por mês. As informações, que a primeira vista pode impressionar, são do Compromisso Empresarial da Reciclagem (Cempre). No entanto, apenas 5% destes catadores estão organizados em cooperativas e ínfimas 327 cidades brasileiras fazem algum tipo de coleta seletiva, sendo que a grande maioria não ultrapassa 40% da abrangência do município.

Com esta verdade, dois fatos muitos importantes precisam ser explicitados. O primeiro é que o Brasil, que se vangloria de ser o campeão em reciclagem de latinhas de alumínio, ainda tem muitos degraus a escalar para ser considerado um país que pratica a coleta seletiva, estimulando a geração de renda, fortalecendo a economia local e diminuindo a pressão da destinação da quantidade de lixo no meio ambiente. O segundo fato é que a coleta seletiva e reciclagem, embora deva ser incentivada e ampliada pela sociedade, empresas e governos, não é, nem de longe, a solução para a produção de lixo. Muito pelo contrário, indústrias e poderes públicos locais usam como estratégia de marketing o fato de muitos produtos serem recicláveis para negligenciar o enfrentamento do problema do excesso de desperdício na sociedade de consumo.

Quanto ao primeiro fato, é triste e até mesmo vergonhoso reconhecer que Cuiabá não possui um sistema mínimo de coleta seletiva. Muitas pessoas são enganadas ao verem espalhados pelo centro da capital cestos de coleta seletiva. Mas basta estar perto e ver que quando o caminhão do lixo passa, os lixeiros jogam a separação na vala comum: o próprio caminhão, que depois se direciona ao aterro sanitário (ou seria lixão?) de Cuiabá. Este fato desestimula o cidadão a separar seu lixo ou mesmo a cuidar onde vai jogar sua embalagem de refrigerante ou de água.

É claro que existem algumas iniciativas embrionárias de empresas que separam seus materiais descartáveis ou mesmo o convênio que a prefeitura estabeleceu com o Instituto Centro de Vida - ICV, que destina parte dos produtos orgânicos das feiras a ONG, onde também funciona uma cooperativa de produtores de composto orgânico, ou em outras palavras, adubo natural. Se a prefeitura faz isso, pode fazer muito mais, sem precisar reinventar a roda. Basta olhar o exemplo de cidades como Londrina, no Paraná, São José dos Campos e Santo André, em São Paulo, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul ou Curitiba, capital do Paraná. Sem muito custo, é possível estimular cidadãos a separarem seus lixos em recicláveis e orgânicos, além de obrigar empresas, indústrias, condomínios, além do próprio governo local, é claro, a fazerem o mesmo. Para não onerar e estimular a formação de cooperativas de catadores, Cuiabá poderia ser dividida em regiões onde as cooperativas, cada uma em sua área, faz a coleta seletiva dos materiais recicláveis.

Em médio prazo, a solução se reverte em próprio benefício da prefeitura e da população. Os catadores ganharão mais dinheiro, a eficácia da coleta de lixo da prefeitura pode ser otimizada e até mesmo ter custo reduzido, a pressão no aterro sanitário diminui e ganha muito em tempo de vida útil, além de evitar a cena degradante dos catadores revirarem os lixões em busca de material reciclável para vender. Ganha o meio ambiente, ganha a saúde dos catadores, ganha a economia local, ganha a prefeitura. Numa escala maior, ganham todos. Sem isso, Cuiabá corre um grave risco de se tornar, não num futuro muito distante, uma nova Náploles, na Itália.
Voltando ao outro ponto: a coleta seletiva e a reciclagem, sozinhas não são solução de nada. Sem correr o risco de as empresas não terem produtos para reciclar ou os catadores não terem produtos para vender, é preciso investir muito na redução da cultura do desperdício. Exemplo já conhecido de todos, mas que a sociedade, em grande escala ainda não chegou ao nível da consciência necessária para refutá-los veementemente, está no lixo inútil provocado na alimentação. Mc Donalds, Giraffas, Bob´s entre outras franquias insultam a inteligência e o bom senso ao proverem uma embalagem de papelão para o sanduíche (que uma vez engordurado perde seu valor para reciclagem), na embalagem plástica para o guadanapo, para a embalagem de papel para o canudo, para a tampa do copo de refrigerante e para o papel que recobre a bandeja, numa tentativa insana e ingênua de mostrarem a assepsia dos seus produtos.

Este foi só um exemplo, que se repete nos mercados com produtos embalados em cada vez menor quantidade, em suportes de isopor e nas intermináveis sacolinhas de mercado, que se depender da vontade do gerente, põe um produto em cada sacola. Para uns, isso é agregar valor ao produto e fixar a marca. Na prática, é desperdício de dinheiro, de recursos naturais finitos e de um problema sem fim às administrações públicas, à saúde, à economia e, claro, ao meio ambiente.

Ou seja, já passou da hora de Cuiabá, Mato Grosso, a região Centro-Oeste ou mesmo o Brasil investir ao mesmo tempo na coleta seletiva para a reciclagem e na redução da geração de desperdício. Não existem argumentos lógicos ou com bom senso que digam o contrário. Ou enfrentamos o problema que nos afeta em todos os setores da sociedade ou seremos engolidos pelo lixo. Assim como Nápoles. Isso para ficar no exemplo real. Ou numa visão ficcional e catastrófica, mas bem humorada, mostrada no filme Idiocracia, onde o consumismo ingênuo é o responsável pela destruição da civilização, tal como nós conhecemos.

* André Alves é jornalista em Cuiabá, Secretário-Executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento - FORMAD e membro-fundador do Núcleo de Ecomunicadores dos Matos - NEM.