30 November 2007

Saudades do jornal

Quem conhece o norte de Mato Grosso (e imagino que tantas outras regiões do país) talvez já esteja com saudades do barulho incessante e irritantemente diário de carros de som que circulam com propagandas de supermercado, churrascarias, açougues, pizzaria, lojas de eletrodomésticos, campanhas para controle da dengue. Tem até garoto com uniforme de colégio que, quando não está em sala de aula, aceita fazer uns bicos puxando carrinho com alto-falantes que circulam por todas as ruas, atazanando quem se refugia dentro de casa. Mas a estratégia é válida. Em meia manhã a cidade inteira já está informada, e resolve assim um problema a meu ver crônico e sintomático de falta de jornal.

Não há, para mim, outra explicação melhor. Pois realmente não existe maneira alternativa de as pessoas se informarem sobre promoções, ofertas, produtos novos que chegam à cidade senão pelo alto-falante ou pelas mensagens que as caminhonetes exibem nos vidros dos veículos quando circulam pela cidade. Em Juína é assim. Parece uma forma bem antiquada de comunicação, mas se a população não tem o hábito de ler, nem a possibilidade de comprar ou receber informativos impressos diariamente em suas casas, esse foi o jeito que o comércio encontrou de vender.

Na maior cidade do noroeste de Mato Grosso, considerada pólo para todas as demais, existe um jornal quinzenal redigido e distribuído pelo proprietário-editor chefe-apresentador de um dos três canais de televisão locais. É o mais visto por aqui. O encarte, que tem em média quatro páginas, traz notícias sobre a região, editorial assinado pelo próprio e, claro, propaganda dos fiéis patrocinadores, os comerciantes da cidade. O jornalzinho pode ser encontrado na recepção de hotéis, salões de beleza ou em locais de atendimento ao público, mas não dentro das residências. Não sei dizer se realmente as pessoas lêem o que está escrito ali, e consideram a publicação um instrumento informativo, pois imagino que a falta de um jornalista formado ou de qualquer pessoa que tenha mínimos conhecimentos sobre a língua portuguesa atrapalhe o entendimento do que está escrito. São inúmeros erros básicos de concordância, gramática, coerência. Sem falar em problemas um pouco mais complexos como a escolha da notícia (quase sempre propaganda política explícita), o foco dos textos, a apresentação atraente e objetiva para o leitor. Preceitos fundamentais para a atividade de informar e ser informado e que estão absolutamente ausentes na única publicação periódica na cidade.

É bem verdade que existem outras poucas alternativas, como um jornalzinho de formato e distribuição semelhante, mas menos prestigiado. E uma revista mensal, com a mesma linha editorial. Sem falar nas rádios, quase todas de cunho religioso. Mas que, por melhor que sejam, não substituem o bom e velho jornal de todo dia. Numa cidade em que a grande maioria tem baixíssimo poder aquisitivo e não pode pagar uma antena parabólica para receber os canais abertos do resto do país (já que sem antena o péssimo sinal simplesmente não pega) e muito menos pode gastar com uma mensalidade de televisão por assinatura, a população se torna carente também de notícias.

É possível (e quero investigar nos próximos dias) que isso tenha um reflexo na formação intelectual e no senso crítico de adultos e crianças, estudantes ou não. Sem informação qualificada, não há quem possa opinar, criticar, reclamar sobre direitos e deveres, em âmbitos local, regional, estadual e nacional. Não me admira compreender agora, por que, no fatídico episódio em que o Greenpeace foi expulso de Juína pelos fazendeiros da região do Rio Preto, aqueles que não se juntaram para retirar a liberdade de expressão e deslocamento da equipe ficaram apáticos assistindo as cenas, como se fossem normais. Num cenário desses, quem é que lembra do meio ambiente?

Com péssimas estradas que servem a cidade, o deslocamento da população é esporádico e muito penoso. Quando é preciso sair e ter a chance de visualizar toda a degradação do entorno, falta a percepção de que a destruição é criminosa. E de formação sobre porque recuperar, qualificação para fazer isso, além da compreensão básica de que as escassez de chuvas, a falta d'água, o empobrecimento do solo, as doenças tropicais e tantos outros problemas têm relação com os cuidados (ou a falta de) diante da natureza. Isso, que é noticia, e é informação para formação crítica das pessoas, não está em nenhum jornal. Teorias conspiratórias à parte, ou simplesmente por desleixo institucional, parece bem cômodo que a população não possa se armar com o que dela nunca ninguém poderia tirar, o conhecimento para mudar e melhorar.

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