08 August 2008

A invenção da reserva ambiental

Andreia Fanzeres

Pode parecer um detalhe bobo, ver nos jornais expressões como “reserva ambiental”, reserva ecológica”, “unidade de proteção ambiental” me causa arrepios. Pior ainda quando elas saem da boca do ministro do Meio Ambiente. Aí, é caso perdido. Já faz um certo tempo que a imprensa devia estar acostumada a não se confundir com essas classificações. Justiça seja feita, nem sempre elas são fruto da ignorância de quem escreve, mas uma tentativa de simplificar conceitos para o público leigo entender. Cá com meus botões, eu tendo a acreditar que essa estratégia mais atrapalha do que ajuda.

Um exemplo. Num domingo qualquer, daqueles mais tediosos, zapeei os canais de televisão e parei quando ouvi o Faustão anunciar o espetáculo de um grupo de capivaras prestes a ser atacado por uma onça na “reserva ambiental” Taiamã, no Pantanal. Tudo registrado por um grupo de turistas que pescava no local. Se o apresentador ou sua equipe de assessores tivesse alguma noção do que haviam acabado de fazer, talvez mudassem o texto. Propagandearam em rede nacional uma atividade ilegal, contra qual os gestores ambientais da área lutam há décadas: a pesca não autorizada dentro da Estação Ecológica Taiamã, uma unidade de conservação federal onde só são admitidas atividades de educação ambiental e pesquisa científica devido ao alto grau de importância de sua biodiversidade.

Será que o público compreendeu, através do anúncio da “reserva ambiental”, que os turistas nem deviam estar lá dentro? Mas também será que se ele mencionasse a expressão estação ecológica, esse entendimento ia mudar?

Muito provavelmente, as respostas são não. A confusão de expressões quando a imprensa tenta falar de uma área preservada, ou que pelo menos de acordo com a lei deveria estar, é recorrente em quase todos os veículos de comunicação. Isso é reflexo do entendimento que o próprio público tem dessas áreas, e realmente não consegue distinguir as diferenças fundamentais de diversos tipos de categorias de proteção da natureza que o Estado dispõe.

Para evitar o erro e comunicar melhor, não tem mistério. O jornalista vai ter que sentar para estudar. Por pouco que seja. A legislação brasileira que define as características e os nomes de cada área é a que aprovou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, para os mais chegados. Qualquer pessoa pode encontrar tudo explicadinho num livro pra lá de fino nas melhores livrarias. Coisa de uma tarde de leitura, mas que é muito mais útil num ambiente de redação para consulta, quando surge a dúvida. Aliás, nesse livro não constam as expressões mais usadas por aí, como “reserva ambiental”, “reserva ecológica” e similares.

Mas para começar do começo, é preciso saber o que é uma unidade de conservação. Em poucas palavras, trata-se de uma área legalmente protegida e delimitada pelo governo (federal, estadual ou municipal) criada com o objetivo de conservar a natureza. Precisa de um plano de manejo (uma diretriz a qual os gestores devem seguir para que a área cumpra com seus objetivos específicos, estabelecida após a realização de pesquisas), de um conselho consultivo (geralmente composto por representantes dos gestores e comunidades direta ou indiretamente interessadas na existência da unidade), de uma equipe de profissionais, recursos materiais e, claro, de orçamento.

Este não vai virar um artigo didático ao ponto de explicar tim-tim por tim-tim cada tipo de unidade de conservação. Mas é bom saber que existem as unidades de conservação de proteção integral (que admitem apenas o uso indireto dos recursos em atividades com baixo impacto como turismo, recreação e pesquisas, por exemplo), cada qual com suas diferenças. São elas: Reserva Biológica, Estação Ecológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre.

Têm também as unidades de conservação de uso sustentável (que permitem, sob certas regras, o uso econômico da área e a presença permanente de moradores), como Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), esta última com a particularidade de não ser estabelecida em terras públicas. É o proprietário que voluntariamente pode declarar sua área como RPPN perante o governo, garantindo a preservação de seus recursos naturais.

É muito comum encontrar ainda confusões envolvendo Área de Preservação Permanente (APP) na imprensa. Essas são áreas que, sob nenhuma hipótese, devem ser degradadas, estejam elas dentro ou fora de unidades de conservação, como beira de rios, dunas, topo de morros, olhos d´água, etc. Tudo muito bem detalhado no Código Florestal Brasileiro, que existe desde 1965! Também outra leitura indispensável.

Para não dizerem que não falei das terras indígenas e quilombolas, elas também são legalmente delimitadas pelo governo, mas não têm o propósito de conservação da natureza. Não são consideradas unidades de conservação de acordo com a legislação vigente. Seu objetivo principal é assegurar a preservação cultural de quem as habita, embora muitas vezes mantenham grandes áreas em bom estado de conservação. Por isso podem ser chamadas apenas de “áreas protegidas”, apelido genérico que as unidades de conservação também podem receber.

O conhecimento mínimo dessas regras e diferenças nominais podem prevenir o público da desinformação que uma “reserva” solta no espaço, no meio do texto, provoca. É claro que a simples menção de que uma área é protegida, com sua classificação exata, é insuficiente para mostrar se o local está efetivamente cuidado. Muitas vezes, trata-se só de um rótulo. Mas sempre que for possível usar a expressão e explicá-la de maneira mais simples, tanto melhor à efetividade da comunicação. No dia em que público e jornalista compreenderem a importância de separar o joio do trigo na comunicação ambiental, as unidades de conservação multiplicarão aliados. Antes tarde do que nunca.

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